Termopares gerando energia em Marte
Quando falamos de dispositivos de medição pensamos imediatamente em aplicações industriais ou de laboratório bem aqui no planeta Terra. Com a exploração espacial muitas demandas e restrições surgiram nos projetos cujo um dos principais objetivos são as medições de uma série de variáveis para estudo científico das missões no cosmos.
A temperatura é um elemento crucial nessas missões, pois os equipamentos eletrônicos só funcionam de maneira correta em uma faixa de temperatura específica e não podem sofrer variações bruscas. Podemos citar como exemplo a missão que levou o rover Curiosity (Figura 1)— um tipo de veículo robotizado para coleta de dados — para o planeta Marte. Para medição da temperatura temos os termopares, mas nesse caso vários desses dispositivos foram usados para gerar energia!

Nesse artigo vamos como ver como um dispositivo geralmente encontrado na instrumentação de diversas industrias para medição de temperatura foi usado para gerar energia em Marte.
Como termopar gera energia?
O termopar é um circuito termoelétrico, ou seja, a partir de efeito térmico temos um efeito elétrico associado. Essa descoberta vem do século XIX, com Thomas Johann Seebeck, ele descobriu que unir fios de ligas metálicas distintas formando um circuito fechado causaria uma corrente elétrica proporcional à diferença de temperatura em suas extremidades: o efeito Seebeck (Figura 2).

Aqui na Terra usamos os termopares diferentes aplicações de medições de temperatura e as ligas metálicas que os compõe são principalmente de platina, cromo, níquel, cobre, entre outros. Onde uma ponta é colocada na junta quente, ou seja, no local de medição e a outra — a junta fria — colocada no aparelho medidor onde a tensão gerada pelo efeito Seebeck é colhida e convertida em temperatura nos instrumentos indicadores e transmissores. Essa tensão é muito pequena e geralmente da ordem dos milivolts (1 milivolt = 0,001 V).

Observe que temperaturas relativamente elevadas produzem tensões muito pequenas. Então como termopares foram usados para gerar energia suficiente para operação do Curiosity?
O gerador termoelétrico de radioisótopo
Apesar do nome estranho, o princípio de funcionamento é igual aos geradores nucleares convencionais, um material radioativo gera calor (no Curiosity Plutônio-238), mas a diferença consiste em não haver água para gerar vapor para as turbinas — não seria nada prático em Marte! Imagina a manutenção? Aqui o calor gerado aquece a junção quente dos termopares para geração de energia elétrica. Você deve tá se perguntando como gerar energia suficiente para o todo o robô? Para isso foram usados 768 termopares ligados em série, como se fossem várias pequenas baterias onde as tensões foram somadas para suprir toda a demanda do rover (Figura 4).

Os termopares são de estado sólido, ou seja, há semicondutores no processo de fabricação. O gerador é mostrado na figura:

Por que não usar essa tecnologia para gerar energia aqui mesmo no planeta Terra?
O gerador possui cerca de 4,8 kg de material radioativo tendo uma potência térmica gerada em torno de 2 kW, porém somente 110 W é convertida em energia elétrica pelos termopares, a conversão de energia térmica para elétrica é mínima — cerca de 5% — tornando-se inviável em comparação com outras formas de geração aqui no nosso planeta.
Instrumentação em Marte!
É estranho imaginar que dispositivos simples que estamos acostumados a ver somente na indústria podem ir tão longe — Marte está em média 225 milhões de km distante da Terra! As aplicações dos princípios físicos por traz da instrumentação nos permitem conhecer outros mundos, é isso que o Curiosity está fazendo e graças ao gerador e seus termopares podemos conhecer a história do nosso vizinho cósmico!
Quer saber mais?
Esse texto foi inspirado no livro do brilhante cientista brasileiro da NASA Ivair Gotinjo responsável pelo projeto dos radares que permitiram o pouso do Curiosity: “A caminho de Marte — A incrível jornada de um cientista até a NASA”.
Algumas informações técnicas podem ser vistas nesse artigo retirado do site da NASA.
E para instrumentação industrial recomendo esses dois livros:
BEGA, Egidio Alberto. Instrumentação Industrial. 3. ed. São Paulo: Interciência, 2011.
FRANCHI, Claiton Moro. Instrumentação de Processos Industriais: princípios e aplicações. São Paulo: Érica, 2015. 462 p.
Olá! Eu sou Matheus M. Correa, técnico em eletrotécnica, formado em engenharia elétrica e apaixonado por automação, instrumentação industrial, Industria 4.0 e tudo que envolve tecnologia. Atualmente sou Pesquisador de Sistemas Fabris Inteligentes na Fundação CERTI, em Florianópolis, Santa Catarina.