Um coringa na instrumentação industrial: DP cell

Matheus Mesquita Correa
8 min readFeb 9, 2021

--

Usamos a expressão coringa quando nos referimos a uma pessoa ou algo possui habilidades variadas em um contexto. Quando falamos de instrumentação industrial podemos citar o DP cell (ou célula de pressão diferencial, em uma tradução livre), também conhecido como transmissor de pressão diferencial (Figura 1). Pelo nome é fácil dizer a função desse instrumento: medir pressão diferencial. Simples assim!

Figura 1. DP cell: O H a esquerda indica a tomada de alta e o L a tomada de baixa

A simplicidade desse instrumento nos permite a medição não somente pressão diferencial, mas nível e vazão! Isso mesmo, o mesmo equipamento pode ser usado para medir três variáveis de processos industriais. Mas mede-se tudo ao mesmo tempo? Como assim vai medir nível e vazão? Então se ele mede todas essas variáveis, na fábrica vou instalar somente esse equipamento? Nesse texto apresentarei as respostas para essas perguntas, o porquê desse dispositivo ser um dos mais empregados em diversas aplicações industriais e como podemos usá-lo para medir nível e vazão.

Conhecendo DP cell

Na figura 1 vemos uma configuração comum da maioria dos fabricantes desse equipamento onde temos um display onde podemos ver a indicação da variável medida no processo. De modo geral, podemos classificar esse instrumento como um transmissor, ou seja, a medição é feita no processo — tanques e tubulações — e enviada através de uma rede industrial para o controlador, pode-se citar o CLP, e/ou sistema de supervisão.

O transmissor de pressão diferencial apresenta duas entradas para medição de pressão, chamadas de tomadas — ou câmaras — de alta e de baixa pressão. As tomadas de pressão são onde os materiais do processo entram em contato com o elemento sensor do dispositivo transmitindo a pressão do sistema naquele instante. É comum o elemento sensor desse instrumento ser uma célula capacitiva que de acordo com a pressão do processo muda a distância das placas condutoras mudando a capacitância. De acordo, com a capacitância tem-se uma relação com a pressão em cada uma das tomadas e finalmente a pressão diferencial é indicada pelo instrumento.

O termo “pressão diferencial” vêm da diferença da intensidade de pressão entre as tomadas de alta e baixa, o que resulta na indicação desse instrumento. Para entender melhor vamos para um pouco de matemática:

Figura 1. Fórmula derivada da equação de Pascal para pressão diferencial
Figura 2. Fórmula derivada da equação de Pascal para medição de pressão diferencial

Observando a fórmula vemos que o dispositivo deve ser “avisado” de alguns parâmetros para correta medição: a densidade do material, tanto na tomada de alta como da de baixa — podem ser fluidos diferente — a altura e a aceleração da gravidade. Com tudo devidamente configurado a indicação será mostrada no display e enviada para sala de operação.

Observação: quando a tomada de baixa não está conectada em nenhuma tubulação do processo, ou seja está aberta para atmosfera, a pressão diferencial medida é a manométrica! Sim, aquela indicada pelos manômetros! Então por que não usar manômetros ao invés desses transmissores que são mais caros? Lembre-se que os manômetros dispositivos analógicos e de indicação local, para ver a indicação do instrumento deve-se ir ao local em que está instalado, diferente do transmissor que faz uso de uma rede e a transmissão é feita a distância.

Ok, mas e o nível?

No tópico anterior vimos as principais características na medição de pressão, se você observar na equação temos o termo referente à altura da coluna de líquido e é aí que entra a medição de nível. Relembrando que a medição de nível nada mais é que altura de material dentro de um reservatório. Dessa forma, sabendo a densidade do material, a aceleração da gravidade e a pressão diferencial — fornecidas pelos elementos sensores do transmissor — isolamos a altura da equação chegando à medição do nível! Complicado? Não, é simples! Observe uma das aplicações mais comuns desse instrumento na figura abaixo:

Figura 3. Medição indireta de nível por pressão diferencial em um tanque fechado

Na situação acima vemos a instalação de um DP cell cuja tomada de alta (H) é instalada na base do tanque e a tomada de baixa (L) no topo do tanque de 4 m. Observe que o material medido possui densidade diferente do material usado na tubulação da tomada de baixa. Calculamos o nível do tanque da seguinte forma:

  1. Usamos a fórmula de pressão em ambas as tomadas:
Figura 4. Cálculo das pressões nas tomadas de alta e baixa

2. Calcula-se a pressão diferencial

Basta subtrair uma equação da outra:

Figura 5. Pressão diferencial

O termo a esquerda da equação é a pressão diferencial, medida pelos elementos internos do transmissor, para fins didáticos vamos considerar o valor de -17,5.

3. Cálculo do nível

Com o valor da pressão diferencial basta resolver a equação:

Figura 6. Cálculo do nível

De modo simples é esse o processo de medição de nível no transmissor de pressão diferencial de pressão e no instante da medição o tanque tinha 3 m de nível de material, ou estava 75% cheio. Como prometido, bem simples! A partir dessa medição conhecendo o formato do tanque também podemos medir o volume! Todo esse processo é uma forma simplificado de ver como esse instrumento trabalha para medição de nível e basicamente essas três etapas são feitas a todo momento, pois o processo é dinâmico e muda a cada segundo.

É importante pontuar que foram omitidas algumas unidades de medida para simplificar o exemplo.

Pressão e vazão, qual a relação?

Até aqui vimos que esse transmissor é instrumento bastante versátil e que podemos usá-lo na medição das principais variáveis de processo, o segredo por trás disso está na relação da pressão com outras variáveis, ou seja, a forma e o local onde medimos pressão se relaciona com nível e com a vazão. Antes de falar como esse transmissor mede a vazão, vamos entender o que é essa variável e a importância de sua medição.

A vazão é o volume ou massa que escoa por período de tempo, pode ser medida em litros por hora (l/h), quilogramas por segundo (kg/s) e uma série de outras unidades de medidas. Matematicamente, a vazão também pode ser expressa como a relação entre velocidade do fluído com a área por onde ele passa:

Figura 7. Fórmula para medição de vazão

Na fórmula acima, não vemos diretamente a relação de pressão e vazão, mas elas estão relacionadas pela velocidade, a relação depende de uma abordagem matemática um pouco mais complicada que falarei em um outro texto. A medição dessa velocidade é feita pelo transmissor através de uma perda de carga — perda de pressão entre um ponto a montante e jusante de uma obstrução em uma tubulação. A diferença entre essas duas pressões medida pelo transmissor nos permite obter a velocidade do fluído e sabendo o diâmetro da tubulação temos a medição de vazão! Como surge a perda de carga? É necessário mudar o diâmetro da tubulação?

Um dispositivo responde todas as perguntas: a placa de orifício (Figura 8) — uma placa fina com orifício cujo objetivo é restringir a passagem de um fluído instalada em uma tubulação.

Figura 8. Placa de orifício inserida na tubulação para medição de vazão.

O orifício causa uma perda de carga intencional modificando a pressão do fluído após a placa, dessa forma a pressão a montante é feita na tomada de alta do transmissor e a também é colhida pressão na jusante pela tomada de baixa. Feito isso tem-se a pressão diferencial, por consequência a velocidade do fluído e a medição de vazão do material (Figura 9).

Figura 9. Configuração do transmissor e placa de orifício para medição de vazão em uma tubulação de ar comprimido.

Vamos esclarecer as dúvidas

No início desse texto fiz alguns questionamentos sobre esse instrumento, a partir da discussão mostrada já temos condições de responder essas dúvidas:

1. O transmissor é capaz de medir pressão, nível e vazão ao mesmo tempo?

Não! Vimos que para cada tipo de variável medida temos uma configuração diferente de instalação do dispositivo, e no caso da vazão precisamos inserir na tubulação a placa de orifício. Assim para cada medição precisamos pelo menos de um transmissor.

2. Então se ele mede todas essas variáveis, na fábrica vou instalar somente esse equipamento?

Falar de modo generalista a compreender todos os processos industriais é uma tarefa impossível! Processos que possuem materiais com alta viscosidade não são indicado o uso da placa de orifício, além dela inserir perda de carga na linha e a tubulação deve estar sempre cheia de fluído para correta medição. Deve-se levar em consideração todos esses quesitos. Por outro lado, na medição de nível, o transmissor necessita de uma estrutura para instalação, acessórios para selagem e são dependentes da densidade constante para medição. Concluindo, cada situação deve ser analisada e outros instrumentos — afinal existe vários! — devem ser levados em consideração para uma escolha adequada que atenda aos requisitos de projeto.

Concluindo

Vimos que o título de coringa cabe perfeitamente a esse dispositivo, com uma pequena muda na estrutura de instalação e a inserção de uma placa de orifício temos a medição de três variáveis de processos industriais com o mesmo transmissor! Por esse motivo é um dos dispositivos mais empregados nas medições de pressão, nível e vazão.

Juntamente com equipamento, o interessante é observar como a natureza se relaciona de modos diferentes. A influência da pressão consegue ser sentida no nível e vazão de fluídos cuja a percepção depende de pequenos ajustes para ser medida. Isso torna a instrumentação industrial um dos ramos mais interessantes da automação!

Referências

ANDRADE, Fabrício. Medição de nível — Diagnóstico remoto. Disponível em: https://automacaoecartoons.com/2017/10/19/medicao-de-nivel-diagnostico-remoto/. Acesso em: 05 fev. 2021.

BEGA, Egidio Alberto. Instrumentação Industrial. 3. ed. São Paulo: Interciência, 2011.

FRANCHI, Claiton Moro. Instrumentação de Processos Industriais: princípios e aplicações. São Paulo: Érica, 2015. 462 p.

Olá! Eu sou Matheus M. Correa, técnico em eletrotécnica, formado em engenharia elétrica e apaixonado por automação, instrumentação industrial, Industria 4.0 e tudo que envolve tecnologia. Atualmente sou Pesquisador de Sistemas Fabris Inteligentes na Fundação CERTI, em Florianópolis, Santa Catarina.

--

--

Matheus Mesquita Correa
Matheus Mesquita Correa

Written by Matheus Mesquita Correa

Engenheiro eletricista, trabalhando com Automação Industrial, Integração de sistemas, IIoT na CERTI, em Florianópolis, Santa Catarina.

No responses yet